segunda-feira, 31 de março de 2014

Dois tipos de atividade mental

Liev Tolstói
Tradução publicada originalmente pela Revista Digital Terminal.

O artigo a seguir foi escrito por Tolstói como introdução à edição russa de uma coleção de pensamentos, aforismos e máximas de La Bruyére, La Rochefoucauld, Vauvenargues e Montesquieu.

A atividade da razão humana voltada à explicação das leis que governam a vida humana sempre se manifestou de duas formas distintas. Alguns pensadores vêm tentando sistematizar todos os fenômenos e leis da vida humana numa conexão definida entre si. Esses são os criadores de todos os sistemas filosóficos, de Aristóteles a Spinoza e Hegel.

Outros têm ajudado a esclarecer as leis da vida humana não pela elaboração de sistemas bem construídos, mas por observações isoladas e expressões vivazes que indicam as leis eternas que regem nossa vida. Estes são os sábios do mundo antigo que formularam coleções de aforismos, os escritores místicos cristãos e, especialmente, os escritores franceses dos séculos XVI, XVII e XVIII, que elevaram esse estilo de escrita ao mais alto grau de perfeição.

Tais são os pensamentos e máximas de La Rochefoucauld, La Bruyère, Pascal, Montesquieu e Vauvenargues, sem mencionar o maravilhoso Montaigne, cujos escritos em parte pertencem a esta classe.

Se compararmos todo o conhecimento das leis da vida humana a uma esfera que aumenta continuamente de tamanho a cada nova aquisição, então os pensadores do primeiro grupo – os sistemáticos – deveriam ser comparados a homens que tentam envolver a esfera com um material mais ou menos sólido e espesso a fim de ampliá-la por igual em toda a sua circunferência. Os pensadores da segunda categoria são homens que, desconsiderando as desigualdades no aumento da superfície das diferentes partes da esfera, aumentam-na não por inteiro, mas em vários pontos de seu raio pelos quais seus pensamentos naturalmente viajam, geralmente ultrapassando os pensadores do primeiro tipo e fornecendo aos futuros sistematizadores material sobre que se debruçar.

As vantagens do lado dos pensadores da primeira categoria são: coerência, completude e simetria em suas doutrinas. As desvantagens são: artificialidade em sua estrutura, conexão forçada entre as partes, desvios muitas vezes evidentes da verdade para garantir a coerência de toda a doutrina e (como resultado) frequente obscuridade e nebulosidade na forma de expor.

As vantagens do lado da segunda categoria de pensadores são: franqueza, sinceridade, inovação, ousadia e, por assim dizer, certa impulsividade nos pensamentos, liberdade das amarras e um correspondente vigor de expressão. Suas desvantagens são: fragmentaridade e às vezes inconsistência externa – embora esta última normalmente seja mais aparente que real.

Sua maior vantagem, no entanto, é que, enquanto as obras do primeiro tipo – os sistemas filosóficos – geralmente causam rejeição por seu pedantismo ou, quando não, enfraquecem a mente do leitor ao subjugá-lo e privá-lo da independência, os livros do segundo tipo sempre atraem por sua sinceridade, elegância e brevidade de expressão. Acima de tudo, não esmagam a atividade independente da mente; antes, pelo contrário, a estimulam, por obrigar o leitor ou a deduzir conclusões posteriores do que acaba de ler ou, às vezes, quando discorda do autor, a contestar suas posições e assim chegar a conclusões inéditas e inesperadas.

São deste tipo os pensamentos destacados tanto dos escritores antigos quanto dos modernos em geral, e são estes os pensamentos dos escritores franceses cujas máximas estão reunidas na obra que temos diante de nós.

sábado, 22 de março de 2014

Dois mestres, um ideal: esforços de filosofia construtiva


MÁRIO 
Pretendia despertar no aluno o espírito criador, evitando prender-se a ideias pré-concebidas e a sistemas fechados: “... toda a minha luta como professor foi despertar nos alunos a sua capacidade criadora. Não quero dizer que eu tenha conseguido; não, não consegui, malogrei. Mas não fui eu que malogrei, foram meus discípulos que malograram, que se deixaram envolver pelo espírito quantitativista, pelo espírito da autoridade. Assustam-se com as autoridades e então ficam subservientes a um determinado pensamento, preferem estar no coro a representar os primeiros papéis. Mas o próprio Aristóteles dizia isto, aliás uma bonita expressão dele: “nós devemos ser como aqueles que querem representar os primeiros papéis e não no coro.” (Naiejda Santos Nunes Galvão e Yolanda Lhullier dos Santos. In: Monografia sobre Mário Ferreira dos Santos)

NOICA
Mas, para além de todos os exercícios técnicos (cuja importância é difícil de ser apreendida por quem não tenha uma noção exata da pobreza do contexto), a pedagogia de Noica era uma forma de treinar o espírito para a atividade cultural, desencorajada pela pobreza das condições de vida e de trabalho oferecidas pela sociedade comunista. “Descobrireis que os limites interiores são mais difíceis de transpor do que os exteriores” – era uma de suas fórmulas favoritas. Ou “Não presteis atenção às circunstâncias imediatas. Considerai a história pura meteorologia: não mudeis vosso destino e vossas ideias dependendo do clima. A história precisa de cavalos. Peço-vos que sejais cavalos de corrida”. (Andrei Plesu, sobre Constantin Noica. In: Vida intelectual sob a ditadura)

MÁRIO
Quando viajei pela Europa e vi a grandeza daqueles povos, lembrando-me das coisas do meu país eu tinha pena de nós, como éramos tão atrasados e só pensava em voltar para o Brasil e lutar nesta terra, para que nós fizéssemos o que eles faziam.... (Mário Ferreira dos Santos, ao voltar de viagem à Europa)

NOICA
Prefiro viver num país onde tudo ainda está por fazer a viver num país em que as grandes aventuras do espírito já foram realizadas. O que eu faria se fosse para a Europa Ocidental? Não encontraria nenhum espaço a menos que dirigisse minha atenção a algum obscuro comentador de Aristóteles, a algum texto apócrifo, a algum fragmento incerto. Aqui posso tranquilamente ocupar-me com o próprio Aristóteles. O tempo do “alexandrinismo” ainda está distante. Regozijemo-nos no frescor do “arcaico” e não esqueçamos – sob a influência de uma deficiência real – a experiência privilegiada do possível. (Em resposta a Andrei Plesu, quando este lhe perguntou por que não foi para o exílio na Europa Ocidental)

Mário Ferreira dos Santos: editor visionário


Ninguém teve uma luta maior do que eu dentro do meu campo de ação editorial. Quando procurei editor para o meu livro, não fui corrido do seu escritório porque ele era um homem educado, mas deu a entender que era o maior absurdo editar um livro de filosofia num país de analfabetos, e me disse francamente: “O senhor, para editar um livro de filosofia no Brasil, precisa ter muito dinheiro, porque tem que financiar a obra. Depois, o senhor não tem leitores; se conseguir vender algum exemplar, será a custo de uma publicidade muito grande, porque não há leitores. Nós não podemos empatar nosso capital na edição de livros desta espécie...” E eu, então, disse a ele: “Pois vou fazer uma experiência com o meu próprio esforço”. E fiz uma editora para editar os meus próprios livros, sem um tostão de capital, usei crédito e paguei a edição em trinta dias, antes do vencimento que era de noventa dias. Não fiz publicidade, não tive apoio de ninguém, não pedi a quem quer que fosse escrevesse qualquer coisa a meu favor, não elogiei ninguém para que me elogiasse. Aguardei apenas que o povo brasileiro tomasse o meu livro, o lesse e fizesse a propaganda por si próprio. E fez, e as minhas obras venderam. Editei oitenta e tantos livros em quatorze anos, com cerca de trezentas edições. Lutei dentro das minhas forças e dentro das minhas possibilidades, não me contive, não aceitei aquela maneira abjeta, que aquele brasileiro me colocava ante o Brasil.
[...]

Desejei, entretanto, estabelecer algumas considerações. Como podem observar, estou realizando no Brasil uma atividade inédita. É costume dizer-se nesta terra que o leitor brasileiro não se interessa senão pela baixa literatura. Essa calúnia assacada ao nosso leitor levou-me a uma experiência: a de editar livros de filosofia. E o resultado foi o desmentido cabal a todo pessimismo dos mesmos editores. Meus livros passaram a vender-se por milhares. E entrei em contato direto com o leitor, sem ter pedido licença a qualquer grupo de literatos detentores dos meios de publicidade. Apresentei-me diretamente ao leitor e disse-lhe: tenho isto para você. E o leitor aceitou, sem esperar por alguém que o aconselhasse a ler. E o resultado não se fez esperar, contrariando todos que, divorciados do verdadeiro leitor, pensam que este só quer subliteratura, escândalos, etc.

Nadiejda Santos Nunes Galvão e Yolanda Lhullier dos Santos, Monografia sobre Mário Ferreira dos Santos. Original datilografado.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Requisitos do bom tradutor, segundo Paulo Rónai


Enumerando afinal os requisitos do bom tradutor, vou dizê-los, por ordem de importância:
  1. Bom conhecimento da língua-alvo; [Não, você não leu errado. Paulo Rónai disse mesmo língua-alvo! Pense nisso antes de ostentar o seu TOEFL, mesmo sem nunca ter aberto um dicionário de regência verbal ou nominal.]
  2. Bom conhecimento da língua fonte;
  3. Bom senso;
  4. Boa cultura geral;
  5. Senso de observação;
  6. Humildade unida à consciência do próprio valor;
  7. Paciência;
  8. Gosto pelo estudo;
  9. Espírito associativo.
Paulo Rónai, “Problemas Gerais da Tradução”. In: Waldivia Marchiori Portinho (org.), A Tradução Técnica e seus Problemas. São Paulo, Editora Álamo, 1983, p. 14.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Quem são os copistas contemporâneos?



A cultura do copista – ou sua ignorância –, bem como sua profissão ou o sentimento patriótico, sua religião e até a sua naturalidade, podem intervir na prática do erro. [...] Da ignorância pode resultar aquilo que se denomina “trivialização”, isto é, o copista poderá substituir um termo desconhecido por outro que lhe é familiar, achatando o vocabulário do modelo; quando a banalização é progressiva, vale dizer, atinge todas as palavras raras que o copista desconhece: os termos heminas (hemina, medida de capacidade) e scutulam (venda de lã para os olhos) do Miles gloriosus de Plauto (respectivamente, versos 831 e 1178) foram substituídos por outros mais vulgares: feminas e cultura.
Segismundo Spina, Introdução à Edótica. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 113.

[...] as anomalias de um texto podem ser meramente acidentais e involuntárias, ou dolosas, isto é, intencionais. Mas há, também, erros inevitáveis, como sucede com aqueles manuscritos que estão danificados ou com folhas encadernadas fora de lugar. [...] Os erros acidentais são, entretanto, mais numerosos: grafias e sons equívocos, confusão de palavras semelhantes, transposição de letras e de palavras, omissão de palavras ou frases, salto de linhas ou de versos, confusão ocasionada por parônimos, supressão de sílabas nas palavras (haplografia), ou sua repetição (ditografia), são as incorreções mais frequentes nas cópias manuscritas ou nas composições tipográficas.
Segismundo Spina, Introdução à Edótica. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 115.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Entrevista com o tradutor Carlos Nougué

Entrevista concedida a Diana Margarita e publicada originalmente em Tradutora de Espanhol.

Carioca que já não vive no Rio há uma década e meia, Carlos Nougué é tradutor literário, gramático, lexicógrafo e professor de Filosofia. Entre os autores mais importantes que traduziu, estão G. K. Chesterton, Cervantes, Cícero, Sêneca, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Émile Boutroux e, na poesia, Miguel Hernández.

Diana — Quais são as línguas que traduz e há quanto tempo é tradutor?
Carlos Nougué — Francês, espanhol, inglês e latim. Sou tradutor desde os 30 anos (estou com 62) e já traduzi cerca de 300 livros, uns 50 ou 60 dos quais de real importância. Mas, mesmo entre estes, não me agradam todas as traduções que fiz. Em verdade, agradam-me muito poucas, e mais que todas a também mais difícil delas: A Inocência do Padre Brown, de G. K. Chesterton.

Diana — Fale um pouco de como tudo começou. Ser tradutor fazia parte de seus planos ou começou por acidente?
Carlos Nougué — De modo algum pensava em sê-lo. Como todos ou quase todos os de minha geração, comecei a traduzir por “bico”, ou seja, em razão de dificuldades financeiras. Quando porém percebi que tinha algum pendor para o ofício, comecei a estudar profundamente, antes de tudo, a língua portuguesa e sua literatura – porque, com efeito, o primeiro dever do tradutor é ser (quase) perfeito em sua língua, e refiro-me à língua cultivada. Mas também mergulhei no estudo das outras línguas e sua respectiva literatura, além de ocupar-me especialmente de forjar eu mesmo, ao menos para mim, uma teoria da tradução – é que nenhuma me satisfazia plenamente.

Diana — De que forma sua formação em filosofia contribuiu para o ofício de tradutor?
Carlos Nougué — Como com respeito a tudo, a (boa) Filosofia ordena a mente, torna-a realista e exigente, dota-a de algo que é fundamental para um tradutor: a capacidade de distanciamento crítico. Mas atenção: a Filosofia é uma ciência, enquanto a Tradução é uma arte, e aquela está para esta assim como o especulativo está para o prático. Como arte, ademais, requer de quem a exerce, como já disse, um mínimo de pendor, de talento para ela.

Diana — E a filosofia Tomista teve alguma influência em seu trabalho?
Carlos Nougué — No mesmo sentido em que respondi à pergunta anterior, até porque não hesito em dizer que a doutrina tomista é o ápice do pensamento humano. O mais interessante de tudo, porém, é que da confluência do estudo e do ensino da Filosofia com a necessidade, imposta pelo ofício de traduzir, de aprofundar-me na língua portuguesa, resultará ainda este ano o que julgo meu trabalho mais importante até agora: a Suma Gramatical da Língua Portuguesa, uma gramática avançada de cerca de 700 páginas que se publicará ainda este ano. Nela estão presentes, de algum modo ou como uma síntese, todos os esforços e preocupações intelectuais de minha vida.

Diana — Quais foram os principais desafios no início da carreira?
Carlos Nougué — Além da já referida (necessidade de estudos profundos), o de ganhar pouco no início para fazer currículo. Mas fui feliz: minha primeira tradução para uma grande editora obteve o Prêmio Jabuti, o que obviamente fez a carreira consolidar-se já, em algum grau.



Diana — O que é que mais gosta de seu trabalho?
Carlos Nougué — De meu trabalho, gostava tanto do estudo que o aprimorava como do resultado alcançado em alguns casos – além de que inegavelmente há algo de, digamos, lúdico em buscar e encontrar em nossa língua a equivalência perfeita (ou quase) do plasmado em outra língua. E, se digogostava, é porque de fato estou muito cansado: traduzir 300 livros em 30 anos é demasiado, e confesso que hoje busco com afinco retirar-me do ofício. 

Diana — E o que menos gosta?
Carlos Nougué — Ter de traduzir livros que rejeito intelectual ou artisticamente. E foi o caso a maioria dos referidos 300...

Diana — Como foi a experiência de traduzir uma obra tão significativa para a literatura universal como é o Dom Quixote?
Carlos Nougué — Antes de tudo, lembre-se de que o traduzi em parceria com José Luis Sánchez. Depois, não me implicou nenhuma dificuldade especial, por vários motivos: eu já era muito experiente, e experiente, ademais, em obras árduas; há hoje muitas e excelentes edições críticas do livro, o que facilita a vida de qualquer tradutor de uma obra clássica; já havia muitas traduções, cujos erros pudemos assim evitar, mas de cujos acertos nos valemos sempre; etc.

Diana — O senhor ganhou o Prêmio Jabuti de Tradução em 1993 comCristóvão Nonato, de Carlos Fuentes. Como foi traduzir várias obras do mesmo autor, surgiu uma espécie de sintonia com a forma dele se expressar?
Carlos Nougué — Salvo engano, traduzi mais de 25 obras suas. Mas tenho de confessar, ainda que meio eufemisticamente, que sua obra não habita meu coração.

Diana — Quais são as dificuldades de ser tradutor literário no Brasil?
Carlos Nougué — Antes de tudo, entendo “tradução literária” em sentido lato ou analógico, a saber, como tradução de Literatura stricto sensu, de Filosofia, de Gramática, de Música, etc. Depois, confesso ainda que, dada tal amplitude e a mesma variedade de línguas de que traduzo, nunca tive grandes dificuldades na carreira; nunca deixei de ter trabalho. Por outro lado, de fato nunca me prejudicaram as condições do tradutor no Brasil, e digo sinceramente que acho justo, em geral, o que sempre me pagaram. Sempre vivi, razoavelmente, de tradução – e isto me basta.

Diana — Em suas aulas de tradução literária sempre deixou claro que o tradutor literário deve ser extremamente fiel ao autor e à obra original. O que significa exatamente ser fiel na tradução de um livro?
Carlos Nougué — Contra o que propõe a maioria das teorias da tradução atuais, sustento que a melhor tradução é a “caninamente” e pormenorizadamente fiel ao original, não só em termos de significado, como é óbvio até por sua principalidade, mas ainda em termos morfossintáticos, lexicais, rítmicos, sonoros e até de ordem frasal. Naturalmente, buscamos 100% de equivalência, digamos, especular, e alcançamos o possível. Trata-se pois de algo assimptótico. Mas o importante é que mesmo a porcentagem restante seja de algum modo também fiel. Ademais, obviamente tal equivalência especular se vai tornando cada vez mais difícil à medida mesma que vamos da língua mais próxima (aqui, o espanhol) à mais distante (ponhamos o chinês). Pude experimentá-lo em certa medida: espanhol → francês → inglês, por um ângulo → latim, por outro. E eis o que chamo regra de ouro do bem traduzir: Siga-se palavra a palavra o original até o momento em que isso fira a índole da língua para a qual se traduz. 

Diana — Como é sua rotina de trabalho, o dia a dia?
Carlos Nougué — Cada vez me dedico menos à tradução...

Diana — Quais são os seus passatempos quando não está traduzindo?
Carlos Nougué — Ocupo grande parte do tempo livre com o estudo, ou com ministrar algum curso de Filosofia, ou agora, grandemente, com a escrita daSuma Gramatical, além da audição diária de certa música erudita (Bruckner, Bach, Haendel, Schubert, Haydn e outros). 

Diana — Lembra-se de alguma anedota ou gafe que possa compartilhar?
Carlos Nougué — Se se trata de gafes alheias, tenho por princípio não comentá-las. Se se trata das minhas, deixo ao leitor o trabalho de encontrá-las – até porque nunca reli nenhuma tradução minha publicada.

Diana — O que ainda gostaria de fazer como tradutor?
Carlos Nougué — Nada...

Diana — Poderia deixar uma dica para os tradutores principiantes?
Carlos Nougué — Estudo, seriedade, humildade. 




Algumas traduções de Carlos Nougué:
  1. Maqroll el Gaviero, antologia do poeta colombiano Álvaro Mutis (1995); 
  2. Sangre a Sangre, antologia do poeta espanhol Miguel Hernández (1995); 
  3. Aristóteles, de Émile Boutroux (Tradução do francês) (2000); 
  4. Cristóvão Nonato, de Carlos Fuentes (Tradução do espanhol) (2000) - Prêmio Jabuti de Tradução em 1993; 
  5. O Mendigo e o Professor — A Saga da Família Platter no Século XVI, de Emmanuel Le Roy Ladurie (Tradução do francês e Notas) (2000); 
  6. Cartas a Lucílio, de Sêneca (Tradução do latim e Notas) (2001); 
  7. Santo Tomás de Aquino, de Gilbert Keith Chesterton (Tradução do inglês e Notas) (2002); 
  8. O Corsário, Memórias de M. Du Guay-Trouen (Tradução do francês clássico e Notas) (2003). 
  9. D. Quixote da Mancha, de Miguel de Cervantes (edição oficial do IV Centenário da edição princeps; em parceria com José Luis Sánchez; Apresentação e Notas) (2005); 
  10. A Natureza do Bem, de Santo Agostinho (Tradução do latim) (2005); 
  11. Do Sumo Bem e do Sumo Mal, de Marco Túlio Cícero (Tradução do latim, Apresentação e Notas) (2005); 
  12. A Inocência do Padre Brown, de Gilbert Keith Chesterton (Tradução do inglês e Notas) (2006). 
  13. Tusculanas, de Cícero (Tradução do latim e Notas) (2006).

sexta-feira, 7 de março de 2014

Saudades de um tempo que não vivi



Só lá por princípios da década de quarenta é que nos foi possível pôr em prática o plano de “saneamento” de nossas traduções. Contratamos vários tradutores com salário fixo. Nas salas da Editora tivemos excelentes profissionais: Leonel Vallandro, Juvenal Jacinto, o Dr. Herbert Caro (advogado natural de Berlim, mas que havia aprendido a escrever corretamente em português), Homero de Castro Jobim e vários outros.

O processo da tradução de uma obra tornou-se então algo de muito elaborado. Escolhido o livro a verter-se para o português, procurava-se o tradutor, de acordo com a especialidade linguística de cada um. Feita a escolha do tradutor, este fazia sem pressa o seu trabalho, tendo à sua disposição uma rica biblioteca em que havia vários dicionários e enciclopédias. (A gigantesca Espasa-Calpe, a famosa Britannica, a Italiana e várias alemãs, francesas, inglesas e americanas.) lembro-me de que em cima duma pequena mesa avultava o “Webster grande”, grossíssimo e que – não sei bem por quê – me lembrava um avantajado queijo suíço. Depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho, os respectivos originais eram entregues a um especialista da língua de que o livro fora traduzido, para que ele os confrontasse, linha por linha, com o original, procurando verificar a fidelidade da versão. Mas o processo não terminava aí. Havia uma terceira etapa, a em que um especialista examinava o estilo do livro, discutindo-o com o tradutor, cujo nome ia aparecer sozinho no pórtico do volume. Em caso de divergência havia uma arbitragem. Os livros estrangeiros publicados durante os quatro ou cinco anos em que esse esquema durou, são de excelente qualidade no que diz respeito à tradução. O nosso chefe maior, porém, ficava apavorado – e com razão! – quando examinava o custo de tradução de cada obra.


Érico Veríssimo, Um Certo Henrique Bertaso. Porto Alegre, Editora Globo, 1973, p. 50-51. Reeditado pela Companhia das Letras.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Dois mestres e dois dedos de prosa sobre educação


Se exigirmos do homem o que ele deve ser, faremos dele o que ele pode ser. Se, pelo contrário, o aceitarmos como é, então acabaremos por torná-lo pior do que é. Viktor Frankl (citando Goethe de memória). In: Sede de Sentido. Trad. Henrique Elfes. São Paulo, Quadrante, 2003, p. 15.

***

Depois de mais de cinquenta anos ministrando preleções formais em universidades e para todos os tipos de público, aprendi uma lição importante [...]. Não seja condescendente com sua plateia ao abordar assunto algum. Se fizer isso, você será rejeitado de imediato, e com razão. Por que seus ouvintes deveriam se esforçar para ouvi-lo se você está lhes dizendo algo que já sabem ou já compreendem por completo?
Sempre se arrisque a falar difícil! Através do fervor emocional do seu discurso, de sua energia física e do seu claro envolvimento corporal com conteúdos obviamente abstratos, você deve levá-los a ampliar suas mentes e a vislumbrar o que não vislumbravam antes.
Não há mal algum em dizer coisas que não compreendam. É muito melhor para eles saber que conseguiram entender algo através do próprio esforço (ainda que também sintam que algumas coisas lhes escaparam) do que ficarem sentados em seus lugares, sentindo-se insultados pela maneira condescendente com que você se apresentou.
Mortimer Adler, Como Falar, Como Ouvir. Trad. Hugo Langone. São Paulo, É Realizações Editora, 2013, p. 62.