sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Para além da crítica

Que a igreja evangélica brasileira atual chegou a um estado deplorável é algo que não se pode negar. Tenho por certo que dificilmente, outrora, um ficcionista seria capaz de criar um personagem cristão com um cinismo tão assustador quanto o que vemos hoje. E ainda que fosse capaz de conceber, talvez seus editores pedissem para abrandar um pouco, pois isso comprometeria a verossimilhança da história. Bem, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança...

Os escândalos são de todos os tipos. Há casos de envolvimento de cristãos na lavagem de dinheiro; há casos de abusos litúrgicos; há casos de bizarrice pura e simples; há casos de profunda distorção das escrituras; há casos de superstição gospel; há casos de verdadeiras monstruosidades, tudo, sempre, claro, com aquela afetação mui espiritual. Continuamente vemos novidades/Diferentes em tudo da esperança...

Dentre os que presenciam tais fatos, há uma massa meio atônita que não sabe mais reconhecer a voz de seu Senhor e há uma minoria pretensamente esclarecida que não se recusa a atentar para toda essa miséria. O problema é que, mesmo neste grupo, surge uma nova categoria de escândalo. Refiro-me aos escarnecedores gospel! Ao invés de empenharem-se em divulgar uma experiência cristã genuína, limitam-se apenas a escarnecer dos demais, tanto dos ludibriados quanto dos ludibriadores. Quase ouço aqui a oração: Obrigado, Senhor, porque não sou como este publicano. A denúncia, que seria legítima, dá lugar a um sarcasmo opressor que em nada se assemelha ao espírito das admoestações paulinas. Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre novas qualidades.

Não pretendo aqui exaltar uma igreja que já não mais existe, assumindo uma posição retrógrada, que procura restabelecer uma ordem perdida. Tampouco cedo diante da desilusão, do desgosto e do desânimo. Todo cristão que se preza já entendeu que devemos olhar para o Autor e consumador de nossa fé, e não para as circunstâncias. Aliás, como bem nos ensina Viktor Frankl, o homem é um ser livre, ainda que se refira apenas à sua liberdade interior. Diz ele: O que é, então, um ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é. É o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmaras de gás, ereto, com uma oração nos lábios. O nosso Mestre foi um exemplo de alguém que afrontou as circunstâncias sem render-se nem desviar-se de seu propósito. Do mal ficam as mágoas na lembrança,/E do bem, se algum houve, as saudades.

De minha parte, intuo que existe, sim, um evangelho pelo qual valha a pena lutar, um evangelho que valha o nosso engajamento, um evangelho que nos faça olhar para o Senhor, um evangelho que nos faça olhar para o próximo, um evangelho, enfim, que seja boa notícia e não parte do noticiário. Onde ele está? Estou procurando. Se estiver disposto a procurar comigo, somos amigos. Tenho esperança de novos tempos. O tempo cobre o chão de verde manto,/Que já coberto foi de neve fria,/E em mim converte em choro o doce canto.

Há uma palavra que pode definir o que precisamos hoje. Mas também ela está desgastada. Associaram-na a um anti-intelectualismo bocó e já virou até nome de programa de um dos escandalosos aludidos acima. Uma pena. Essa palavra falava de vida, não de morte... Ouso mencioná-la, sim, porque não posso deixá-la na mão de usurpadores. Precisamos de um avivamento. Avivamento é também mudança. E, afora este mudar-se cada dia,/Outra mudança faz de mor espanto:/Que não se muda já como soía.