domingo, 29 de junho de 2008

De como fui parar no Observatório da Imprensa


Essa história de interatividade na rede é uma coisa fabulosa mesmo. A que me refiro dessa vez? Dias atrás aconteceu o lançamento da revista Dicta&Contradicta, uma publicação do IFE. Como sou leitor do Martim desde os tempos do velho indivíduo e mantive contato com ele por conta dos cursos oferecidos pelo instituto de humanidades do IICS, a notícia da publicação da revista me encheu de entusiasmo. Não só a mim, mas a muita gente que acompanha um trabalho que vem sendo desenvolvido já há anos.

A revista tem o mérito de reunir muita gente boa, com ideais afins, numa mesma publicação. Pedro Sette Camara, Martim Vasquez da Cunha, Antonio Fernando Borges, Mendo Castro Henriques, Luiz Felipe Pondé... Cada qual com sua especialização, cada qual com seus interesses, mas todos críticos severos da establishment acadêmico brasileiro (com exceção de Mendo, que é português), todos estudiosos de autores que são rechaçados pela academia, todos muito competentes no que se propõem a fazer.

Às vezes declaramente, às vezes nem tanto, eles acabam assumindo posições um tanto polêmicas. O que não os diminui em nada, haja vista o fato de que não se trata de polêmicas gratuitas, mas tudo devidamente fundamentado. Mas não escrevo para falar deles. Pelo menos não diretamente.

Tudo o que disse até agora foi só para contextualizar uma referência a palavras minhas feita por Gabriel Perissé num texto do Observatório da Imprensa. A origem da citação foi um comentário que enviei ao blogue do Bruno Garschagen, na ocasião da cobertura do lançamento da revista. O Bruno considerou que meu comentário merecia virar post e o publicou com destaque.

Aí tomei um susto quando, ao ler as palavras de Perissé sobre a revista, vi que meu texto havia sido usado como mais uma evidência da pretensão de seus editores. Sim, aquele "jovem de impressões exaltadas" sou eu. Vai aqui então a minha explicação. Não desdigo o que disse. Mas é preciso que fique claro que quem disse aquilo fui eu. Não tenho nada a ver com os editores, nem com o Opus Dei. Minha relação com o Martim é a mesma que tenho com o Pedro, com o Olavo, com o Reinaldo: sou leitor. Só isso! Se é que posso fazer alguma emenda no que disse, corrigiria apenas uma droga de um erro de digitação:
E o que mais me chamou atenção foi a quantidade de jovens que ali se encontrava. Não eram senhor(E)zinhos caquéticos, nostálgicos de tempos passados, mas, sim, gente da minha geração, em cujos olhos pulsava entusiasmo.
A idéia de que educar todo mundo não dá certo não é minha. E a referência aos jovens tem uma razão de ser. Presumo que se estavam ali é porque algum interesse tinham. Mais do que isso: quem quer que leia os textos da revista — muitos dos quais, como também assinalou o Reinaldo Azevedo, de autores com menos de 30 anos — há de perceber que há segurança no que está sendo dito, o que evidencia uma boa dose de dedicação. Admitam ou não, Olavo de Carvalho contribui, sim, para a formação de uma nova postura intelectual no Brasil.

O que o texto do Perissé falava sobre a revista? Bem, nada. Apenas a especulação de que Dicta&Contradicta era uma revista da Obra. Ora, faça-me o favor! Sendo da Obra ou não, ela continua valendo o que vale. Quem quiser julgar por si mesmo que a leia! Não sei por que diabos insistem em reduzir a tarefa da inteligência ao serviço de um colocador de etiquetas. Aí, basta repetir os chavões, isto é, ler a etiqueta e fazer pose de grande conhecedor do assunto: Olavete, facista, de direita! E pronto: serviço concluído!

Gabriel Perissé nunca me pareceu leviano. O que acaba por sugerir que tal texto tenha alguma motivação que não ficou muito evidente... Vai saber...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Mais amenidades


Coisa estranha. A bem poucos dias das minhas férias e, em vez de descanso, estou mesmo é planejando o que vai me manter ocupado! Já fiz uma listinha dos livros que pretendo ler, dos filmes que gostaria de assistir, de lugares onde quero ir... Enfim, aquelas coisas que superestimamos só para, quando prestes a voltar ao trabalho, lamentarmos o quanto não fizemos nada. É meio frustrante isso.

Não me lembro da última vez que aconteceu, só sei que minhas férias do trabalho, ufa!, vão coincidir com as férias da faculdade! Será o momento de saber se o tão desejado ócio só tem valor enquanto idealidade ou se sou mesmo capaz de aproveitar bem o tempo. E sem nóia!

Para tentar lidar melhor com isso, meu primeiro companheiro será A. D. Sertillanges e seu "A vida intelectual". Entre outras coisas, ele aborda a importância de manter uma certa constância no trabalho intelectual, fala sobre a disciplina do corpo para que as idéias tenham seu lugar adequado, enfim, coisinhas básicas vindas de um homem que submeteu a si mesmo, corpo e alma, à disciplina da vida de recolhimento.

Preciso, isso sim, é de um pouco de silêncio, de solidão, de introspecção. É sério. Alguns dias de recolhimento me fariam bem. Calar as vozes da dispersão, olhar para mim, olhar para os céus, contemplar a beleza...

Como sei que tudo isso ainda parece distante, tento olhar o mundo com outros olhos. Ah, sim, no vídeo, pode-se ver Ray Charles, alguém que via o mundo à sua maneira. Mas dessa vez, ele se apresenta à nossa. Quem tem olhos, veja! Quem tem ouvidos, ouça!

terça-feira, 24 de junho de 2008

Cacildis!

Didi e Dedé: quando a morte chega atrasada

Uma sensação de culpa me atingiu: como pude esquecer de comentar o assunto mais importante da semana? A casa que jorra sangue? A oficialização da candidatura do Chuchu? O método “Casas Bahia” de Roberto Teixeira (o 1º Compadre da República) para admitir suas mentiras — sempre à prestação? Tudo isso é nota de rodapé em comparação ao que trago à baila: Didi e Dedé estão juntos novamente! Não é o máximo?

Até hoje me pergunto: será que aquela coisa era mesmo engraçada? É certo que o gosto para o humor (assim como para os livros, filmes, comidas ou mulheres) varia com o passar das gerações (alguém assiste ao Zorra Total?). A geração “Pânico” gostaria daquilo? Sei lá. A verdade é que eu e uma legião adorávamos a trupe. E a coisa mais cruel feita até hoje na televisão brasileira foi colocá-los no mesmo horário do Chaves. Duelo de gigantes. Era a infância sendo apresentada à dureza das escolhas. E, na impossibilidade de assistir aos dois (e pensar que anos depois os homens inventariam os controles-remotos), eu escolhia os Trapalhões. E ria.

Mas voltemos ao busílis. Tenho certeza de que o ingresso de Dedé Santana na tal “Turma do Didi” não tornará o programa menos idiota do que é. Ao contrário até: Dedé era, de longe, o mais sem graça dos quatro. A importância do fato é outra. Os fãs que me perdoem, mas a reaproximação tem apenas um significado: um dos dois, em breve, fará companhia ao Beto Carreiro, irá para o “cacildis”. E pior que morrer é morrer atrasado. Morressem quinze anos atrás, ambos estariam no Olimpo reservado aos gênios do humor. Hoje, estão condenados à companhia do Jacaré e do Marcelo Augusto. Deus os livre! Mussum e Zacarias devem estar morrendo (?) de rir dessa história.

1º Balanço: aproveitando os méritos alheios

Pois é...
Este blogue não tem nem dois meses de existência ainda, mas já se tornou motivo de alegria. Lembro-me de meus primeiros posts aqui, nos quais brincava com a idéia de escrever mesmo sem ter leitores. E, claro, aquela sensação de que as coisas não se manteriam por muito tempo. A disposição poderia se esvair; poderia faltar assunto; poderia render-me ao desânimo; enfim, as possiblidades eram muitas. A menos provável era que a coisa vingasse.
Em resposta a toda essa hesitação, chamei um amigo para me ajudar a compor este blogue. Quem leu pode testemunhar o que eu já sabia desde sempre: ele escreve com mais fluência e mais freqüência que eu! Se é que posso pegar rabeira nos méritos que são dele, posso dizer, sei lá, que ilustros os posts. Não é lá um mérito muito grande, afinal os textos valem o que valem por si mesmos. Outra marca dele aqui é o humor. Ele sabe escrever com leveza. A mim dizem que tenho o dom de complicar coisas simples, que geralmente assumo um tom meio afetado, etc., etc.
Seja como for, este blogue despretensioso já recebeu mais de 100 visitas, a contar apenas desde a instalação do contator de visitas (coisa que nem sabíamos como fazer).
O que era uma incerteza virou fato. O blogue existe. Quem quer que lide com textos, leia, cedo ou tarde acaba também sentindo o desejo de escrever. E este espaço tem servido para isso. Continuo repetindo, aqui faço apenas exercícios de redação. Em breve haverá experimentações mais ousadas. Por enquanto, tenho me limitado a comentar uma coisinha ou outra, fazer clipping de eventos que julgo importantes, nada muito profundo (refiro-me aos meus posts, não aos eventos).
Não sei quantos desses que passaram por aqui se tornaram freqüentadores habituais, quantos chegaram aqui ao acaso, quantos passaram por aqui a partir de um link de outro blogue, enfim, não sei se posso dizer que tenho alguém a quem posso chamar de leitor dos meus Esboços e rascunhos.
Agradecimento nunca é demais, né? Então, se passou por aqui, sinta-se incluído nessa manifestação de gratidão. Minha incentivadora merece menção também honrosa. E, claro, vai também a minha gratidão ao Elton. O título desse post, na verdade, era outro, mas achei que seria vulgar demais colocá-lo aqui. Para bom entendedor, basta uma imagem.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Denise Abreu e a tampa do vidro de palmito

“Fragilidade, teu nome é mulher”, disse Hamlet numa manifestação de loucura com método. Penso que o herdeiro do trono da Dinamarca faria um mea culpa caso tivesse assistido ao depoimento da “carne de pescoço” Denise Abreu à Comissão de Infra-estrutura do Senado. Sei que o imbróglio da Varig é algo deveras importante: tráfico de influência, pressões da Casa Civil (que envolve outra casca de ferida, a ministra Dilma), mas uma outra questão é ainda mais perturbadora. Ao assistir alguns trechos do testemunho da ex-diretora da Anac, um pensamento me assombrou: temo que a espécie feminina, aquilo que chamo de “a velha mulher”, esteja em vias de extinção.

E o que é a velha mulher?, perguntariam os leitores que não tenho. Eu poderia simplesmente dizer que a “velha” mulher é justamente o contrário de Denise Abreu. Mas sejamos didáticos: a velha mulher é aquela que nos pede para abrir a tampa do vidro de palmito. E não é que elas sejam incapazes de realizar o ofício: pedem por pedir. Pedem nosso auxílio porque sabem que o ato é determinante para o “balance of power” das relações humanas. Vocês são capazes de imaginar Denise Abreu fazendo isso? “Benzinho, me ajuda com isso aqui?”. Simplesmente incompatível. Denise Abreu é o protótipo da mulher que a civilização ocidental está criando: dona de si, auto-suficiente, cheia de certezas e verbos no imperativo. Em suma: um homem.

Os senhores da ficção nos aterrorizavam com a idéia de um mundo dominado pelas máquinas; vislumbro, ao contrário, um mundo dominado pelas fêmeas. Não aquelas que reuniam em si todas as contradições — ah, tempos venturosos! — e dependiam do sexo oposto não apenas para a reprodução, mas, como disse Victor Hugo, aquelas que odeiam a serpente apenas por rivalidade de ofício. E o apocalipse virá, meus caros, no dia em que um roedor de tamanho médio estiver à solta e um salto alto lhe atravessar o crânio. Estaremos perdidos!

sábado, 14 de junho de 2008

Bendita dúvida



No próximo final de semana, estarei dividido. No final das contas, a decisão já está tomada; comento as alternativas apenas para lamentar a impossibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
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Durante todo o dia, no IICS, acontece o simpósio "O enigma Bruno Tolentino", no qual se pretende discutir mais a obra que a vida do poeta. Há quem inclua Bruno Tolentino entre os maiores poetas de língua portuguesa. Não subscrevo tal asserção; não que eu negue a qualidade de Bruno, mas é que sei tanto de poesia quanto de física quântica! (O que é física quântica mesmo?)
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Acontece lá, também, a minha última aula do curso A arte do romance, com Antônio Fernando Borges — uma verdadeira iniciação no mundo da literatura. Aliás, uma verdadeira iniciação na vida intelectual.
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É sempre difícil escolher. E escolher é também renunciar. Escolhas chamam o homem à responsabilidade. Nesse ponto, tendemos a optar por aquilo que dá sentido à vida. Por isso, abro mão das atividades anteriores para estar na II Etapa do Curso de Formação em Logoterapia, promovido pela SOBRAL. Para quem não sabe o que é logoterapia, posto mais informações em breve. Por ora, clicar aqui pode ajudar um pouquinho.
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Dadas as opções, que posso dizer senão que ao menos tenho boas alternativas?

Só para não dizerem que eu não disse...


Um lançamento que encheu de entusiasmo uma boa parte dos blogueiros que leio e de muita gente que compartilha dos mesmos ideais foi a revista Dicta&Contradicta, publicada pelo IFE. Para não chover no molhado, apenas remeto ao blogue do Bruno Garschagen, que é quem fez a melhor cobertura do lançamento, contando inclusive com uma entrevista com o presidente do IFE, Guilherme Rabello. Há lá, também, as minhas impressões a respeito do coquetel de lançamento. Quem quiser conferir, basta clicar aqui.

Uma latência na alma

Uma cena que muito me impressionou, desde a primeira vez em que a li, foi a prisão de Fabiano, em Vidas Secas. Dada a injustiça das circunstâncias, o pobre sequer consegue proferir palavra em sua defesa e limita-se a desejar ser o Seu Tomás da Bolandeira. No mesmo livro, noutra cena igualmente impressionante, dado o deslumbramento dos meninos — o mais novo e o mais velho— quando chegam à cidade e vêem as luzes todas, a igreja, a festa enfim, atônitos, perguntam entre si: Será que essas coisas todas têm nomes?
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Assim Olavo de Carvalho começa o seu artigo "O abandono dos ideais":
Quando as palavras saem da moda, as coisas que elas designam ficam boiando no abismo dos mistérios sem nome; e como tudo o que é misterioso e inexprimível oprime e atemoriza o coração humano com uma sensação de cerceamento e impotência, é natural que a atenção acabe por se desviar desses tópicos nebulosos e constrangedores. Pois o que desaparece do vocabulário logo acaba por desaparecer da consciência: o que não tem nome não é pensável, o que não é pensável não existe — tal é a metafísica dos avestruzes.
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Em 1984, de George Orwell, já clássico por abordar a manipulação da linguagem como instrumento de poder, cria-se a novilíngua. "É lindo destruir palavras. Imagine, por exemplo, como reivindicariam liberdade se simplesmente não existisse a palavra liberdade."
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Há bem pouco, li o livrinho de Paulo Rónai Como aprendi português. Nele, um artigo em especial chamou minha atenção: Uma geração sem palavras. Rónai, grande tradutor que era e, segundo ele mesmo, professor por vocação, trata da escassez de vocabulário dos jovens... da década de 1950!!! (para aqueles que se incomodam com exclamações repetidas, essas são perfeitamente justificáveis. É de fato um espanto saber que já na década de 1950 Rónai trazia à tona tal problema. De lá pra cá, a situação só piorou.)
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Dia após dia, tenho observado a escassez de vocabulário das novas gerações. A limitação é tal que mal se pode esperar que compreendam uma piada que não seja óbvia. Os adjetivos se reduzem a "osso" e "suave"; entre os substantivos, basta o universal "baguio"; há o vocativo igualmente abrangente "mano", que se alterna com "truta"; como elemento coesivo, temos o "tipo assim" e o "daí né"; os elementos fáticos "tá ligado" ou "ce tá entendendo?"; uma ou outra interjeição, e só! Assim, se nada for feito, bastarão mais duas gerações para que todos admirem a eloqüência de Fabiano, da mulher, do menino mais novo, do menino mais velho...
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Liberdade? Que é liberdade? Lá vem você com essas palavras esquisitas que ninguém nem usa mais!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Homens que voam

Sic puerum audacem perire vidimus.
Quando a história do padre baloeiro veio à tona, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: “padre idiota”. Pra quê, Deus do céu, encher-se de bexigas e sair por aí, voando entre nuvens? As operadoras de turismo oferecem condições especiais de pagamento para a terceira idade...então, por que se arriscar numa empreitada cujo retorno é incerto? Confesso que sou um preguiçoso quando o assunto é viagem. Superei a idéia de desbravar o mundo de mochila nas costas ainda na adolescência, quando imaginei - não sei por que razão - que poderia acordar num lugar exótico sem ter a possibilidade de escovar os dentes.

Mas o que mais reprovo em viagens desbravadoras é a necessidade de propaganda: não basta viajar, é necessário divulgar a aventura (e nesse ínterim quem sofre são os familiares e amigos próximos, que são obrigados a emprestar audiência para fotos, causos, ímãs de geladeira). A viagem nunca é um fim em si mesmo: ela só é completa quando eu posso contar a alguém as belezas que conheci, as aventuras que vivi, a comida que comi.

Nesse sentido, invejo o tal padre. A grande viagem, ou a verdadeira, é a que não lhe dá garantia de retorno. É aquela que não estabelece roteiros predeterminados, escalas, horários ou mapas. O clérigo fez a viagem — embora involuntária — que todo homem deveria fazer um dia: aquela que despreza o GPS. E não me venham com essa conversa de que o padre morreu. Não! Homens que voam não morrem. Desconfio que o malandro esteja ancorado em algum lugar inabitável, conversando com o Divino, ou planejando a próxima missão.

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“Alguém poderia me explicar como usa esse ‘tal’ de GPS”, disse o velho em seu último contato. Mais um pouco e teria dito: “afasta de mim esse cálice”. Tarde demais.
Padre idiota, Deus do céu!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A monstruosidade dos quietos


Já perceberam que os serial killers, atiradores juvenis, psicopatas de todos os tipos são sempre retratados como figuras reclusas, tímidas, com dificuldades de relacionamento? Parece existir uma relação direta entre a quietude e a monstruosidade. Os quietos são vistos como seres na eminência de uma explosão; seus silêncios nunca são traços corriqueiros, entre tantos outros, da personalidade do indivíduo; são, antes de tudo, uma presunção de culpa. Ninguém é apenas quieto: o caladão é um sujeito problemático, com segredos insondáveis, mistérios íntimos bem guardados. Como se a “normalidade” fosse a espontaneidade, a eloqüência, a simpatia incondicional.

Confesso que um certo alívio me percorreu quando soube que nosso mais recente monstro, o austríaco Josef Fritzl (que admitiu ter abusado sexualmente da filha Elisabeth durante os 24 anos em que a manteve dentro de um porão), mantinha uma vida social bastante “intensa”. Foram noticiadas com alarde as fotos do sujeito em férias na praia, de sunga, degustando boa comida e fazendo graça para a câmera. Por que o espanto? Será a monstruosidade incompassível com a sunga, com a praia, com a graça para a câmera? Apenas os tímidos, reclusos e antipáticos de todos os gêneros seriam impelidos à bestialidade? Parece que Fritzl, que não duvido ser o melhor amigo de uma centena de pessoas, desenvolveu uma função que não era sua. Não demorará e o sindicato dos psicopatas exigirá retratação.

O que esse post quer denunciar é justamente essa coisa da simpatia como objeto de inimputabilidade. Num texto anterior falei sobre um mundo em que as pessoas evitam, a todo custo, o constrangimento. Ou melhor, evitam - inutilmente - demonstrar os efeitos do constrangimento. Acho que esse caso é ainda mais grave. Afinal, são muitos os problemas da modernidade: a perda dos valores, a violência, as drogas. Mas nada disso chega perto do maior de nossos males: a exigência por simpatia plena, pelo “Bom dia” afetado, o obrigatório beijinho - de bochecha - no rosto, o bom humor diante de qualquer circunstância. Oscar Wilde disse que aquele que gosta de todo mundo é indiferente a todos. Nada mais verdadeiro. A simpatia em tempo integral é uma falsificação, um claro sinal de indiferença ante a vida.
Imagine a beleza de um mundo em que as pessoas serão livres para ser antipáticas quando lhes der na veneta. Sem culpa. E, pode parecer exagerado, mas acredito ser esse um dos traços que distingue a civilização à barbárie.

Mas, por falar nisso, alguém quer ser meu amigo?