sábado, 22 de março de 2014

Mário Ferreira dos Santos: editor visionário


Ninguém teve uma luta maior do que eu dentro do meu campo de ação editorial. Quando procurei editor para o meu livro, não fui corrido do seu escritório porque ele era um homem educado, mas deu a entender que era o maior absurdo editar um livro de filosofia num país de analfabetos, e me disse francamente: “O senhor, para editar um livro de filosofia no Brasil, precisa ter muito dinheiro, porque tem que financiar a obra. Depois, o senhor não tem leitores; se conseguir vender algum exemplar, será a custo de uma publicidade muito grande, porque não há leitores. Nós não podemos empatar nosso capital na edição de livros desta espécie...” E eu, então, disse a ele: “Pois vou fazer uma experiência com o meu próprio esforço”. E fiz uma editora para editar os meus próprios livros, sem um tostão de capital, usei crédito e paguei a edição em trinta dias, antes do vencimento que era de noventa dias. Não fiz publicidade, não tive apoio de ninguém, não pedi a quem quer que fosse escrevesse qualquer coisa a meu favor, não elogiei ninguém para que me elogiasse. Aguardei apenas que o povo brasileiro tomasse o meu livro, o lesse e fizesse a propaganda por si próprio. E fez, e as minhas obras venderam. Editei oitenta e tantos livros em quatorze anos, com cerca de trezentas edições. Lutei dentro das minhas forças e dentro das minhas possibilidades, não me contive, não aceitei aquela maneira abjeta, que aquele brasileiro me colocava ante o Brasil.
[...]

Desejei, entretanto, estabelecer algumas considerações. Como podem observar, estou realizando no Brasil uma atividade inédita. É costume dizer-se nesta terra que o leitor brasileiro não se interessa senão pela baixa literatura. Essa calúnia assacada ao nosso leitor levou-me a uma experiência: a de editar livros de filosofia. E o resultado foi o desmentido cabal a todo pessimismo dos mesmos editores. Meus livros passaram a vender-se por milhares. E entrei em contato direto com o leitor, sem ter pedido licença a qualquer grupo de literatos detentores dos meios de publicidade. Apresentei-me diretamente ao leitor e disse-lhe: tenho isto para você. E o leitor aceitou, sem esperar por alguém que o aconselhasse a ler. E o resultado não se fez esperar, contrariando todos que, divorciados do verdadeiro leitor, pensam que este só quer subliteratura, escândalos, etc.

Nadiejda Santos Nunes Galvão e Yolanda Lhullier dos Santos, Monografia sobre Mário Ferreira dos Santos. Original datilografado.

Um comentário:

Francivaldo Lourenço disse...

Tenho lido Mário Ferreira dos Santos e é sempre um deslindar de novas possibilidades. É lamentável que esta visão limitante do brasileiro tenha se tonado a tônica da vida cultural brasileira de maneira a que os próprios hoje se veem como apenas capazes de fruir o que é baixo. Há algum tempo tenho visitado o seu espaço, parabéns e obrigado.