Ninguém
teve uma luta maior do que eu dentro do meu campo de ação editorial. Quando procurei
editor para o meu livro, não fui corrido do seu escritório porque ele era um
homem educado, mas deu a entender que era o maior absurdo editar um livro de
filosofia num país de analfabetos, e me disse francamente: “O senhor, para
editar um livro de filosofia no Brasil, precisa ter muito dinheiro, porque tem
que financiar a obra. Depois, o senhor não tem leitores; se conseguir vender
algum exemplar, será a custo de uma publicidade muito grande, porque não há
leitores. Nós não podemos empatar nosso capital na edição de livros desta
espécie...” E eu, então, disse a ele: “Pois vou fazer uma experiência com o meu
próprio esforço”. E fiz uma editora para editar os meus próprios livros, sem um
tostão de capital, usei crédito e paguei a edição em trinta dias, antes do
vencimento que era de noventa dias. Não fiz publicidade, não tive apoio de
ninguém, não pedi a quem quer que fosse escrevesse qualquer coisa a meu favor,
não elogiei ninguém para que me elogiasse. Aguardei apenas que o povo
brasileiro tomasse o meu livro, o lesse e fizesse a propaganda por si próprio.
E fez, e as minhas obras venderam. Editei oitenta e tantos livros em quatorze
anos, com cerca de trezentas edições. Lutei dentro das minhas forças e dentro
das minhas possibilidades, não me contive, não aceitei aquela maneira abjeta,
que aquele brasileiro me colocava ante o Brasil.
[...]
Desejei,
entretanto, estabelecer algumas considerações. Como podem observar, estou
realizando no Brasil uma atividade inédita. É costume dizer-se nesta terra que
o leitor brasileiro não se interessa senão pela baixa literatura. Essa calúnia
assacada ao nosso leitor levou-me a uma experiência: a de editar livros de
filosofia. E o resultado foi o desmentido cabal a todo pessimismo dos mesmos
editores. Meus livros passaram a vender-se por milhares. E entrei em contato
direto com o leitor, sem ter pedido licença a qualquer grupo de literatos
detentores dos meios de publicidade. Apresentei-me diretamente ao leitor e
disse-lhe: tenho isto para você. E o leitor aceitou, sem esperar por alguém que
o aconselhasse a ler. E o resultado não se fez esperar, contrariando todos que,
divorciados do verdadeiro leitor, pensam que este só quer subliteratura,
escândalos, etc.
Nadiejda Santos Nunes Galvão e Yolanda Lhullier dos Santos, Monografia sobre Mário Ferreira dos Santos. Original datilografado.
Um comentário:
Tenho lido Mário Ferreira dos Santos e é sempre um deslindar de novas possibilidades. É lamentável que esta visão limitante do brasileiro tenha se tonado a tônica da vida cultural brasileira de maneira a que os próprios hoje se veem como apenas capazes de fruir o que é baixo. Há algum tempo tenho visitado o seu espaço, parabéns e obrigado.
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