segunda-feira, 7 de março de 2016

A Louise Abbot

Ilustração do camponês Sérgio de Souza.


Milledgeville
Sábado


Prezada Louise,


Considero que não há sofrimento maior do que aquele causado pelas dúvidas dos que desejam crer. Sei que tormento é este, mas, seja como for, só o posso ver em mim mesma como o processo pelo qual a fé se aprofunda. Uma fé que só aceita é uma fé pueril e é adequada para uma criança, mas, como o tempo, cresces religiosamente, assim como nos demais aspectos – ainda que alguns jamais o façam.

O que as pessoas não percebem é o custo da religião. Pensam que a fé é um grande cobertor elétrico, quando obviamente ela é a cruz. É muito mais difícil crer do que não crer. Se sentes que não podes crer, deves ao menos fazer o seguinte: mantém a mente aberta. Mantém-na aberta na direção da fé, continua desejando-a, continua a buscá-la, e deixa o resto para Deus.

A confissão considerada corretamente não é um ato realizado a fim de atrair a atenção de Deus ou de conseguir um crédito para si mesmo. É algo natural que se segue ao arrependimento. Estivesse eu em teu lugar, esqueceria a confissão até que me sentisse chamada a fazê-la. Não te precipites demais. Tenho a sensação de que irritas tua alma com muitas coisas com que ainda não é tempo de irritá-la.

Minha leitura do artigo do padre sobre o inferno foi que o inferno é aquilo em que o amor de Deus se torna para aqueles que o rejeitam. Ora, ninguém tem de rejeitá-lo. Deus nos fez para amá-Lo. É necessário que haja dois para que haja amor. É necessário que haja liberdade. É necessário que haja o direito de rejeitar. Se não houvesse inferno, seríamos como os animais. Sem inferno, sem dignidade. E lembra-te da graça de Deus. É fácil declará-la como uma fórmula e difícil crer nela, mas tenta crer no oposto e acharás bem fácil. A vida não tem sentido dessa forma.


Carta de Flannery O'Connor para Louise Abbot. In: Flannery O'Connor, Collected Works. New York: The Library of America, 1988, p. 1110.