quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Da formação do gosto e compreensão do estilo


Por José Oiticica
In: Manual de Estilo. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1940, p. 8. 
(Nota de advertência redigida em 16 de novembro de 1925.)


Podemos afirmar que, no Brasil, a generalidade dos homens públicos, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, funcionários, historiadores, geógrafos, escrevem mal.

Relatórios, conferências, livros didáticos ou de polêmica, entre nós, surpreendem pelo desmanchado, pela incorreção, pelo excesso, prolixidez ou amontoamento.

Qual o motivo desse desalinho no estilo? Minha observação no magistério, sobretudo nas bancas de preparatórios, me confirma numa causa única: desorientação geral dos professores primários e secundários. Sem terem aprendido nunca a técnica de escrever, cada qual corrige a esmo as composições dos seus alunos, emendando e aconselhando conforme o seu gosto pessoal, muitas vezes mal formado.

Citarei, para ilustrar minha asserção, um caso eloquente.

Tendo assumido minha regência de uma turma na Escola Normal, determinei, para avaliar o adiantamento das alunas, uma composição com elementos descritivos de paisagem e tipo.

Em todos os trabalhos, observei um sem número de velhas chapas, o estilo alambicado e meloso dos falsos românticos, perífrases contínuas e o vago do inexpressivo jeito arcádico, diluído em lirismo à Herculano. Eram os mimosos cantores da floresta saltitando de galho em galho; eram dentes comparados a um colar de finas pérolas, ou o orvalho semelhante a lágrimas da noite.

Tomei uma das composições e fiz-lhe a crítica em aula, mostrando os vícios de tal estilo. A autora, vaidosa de ter sido, no ano anterior, uma das primeiras, declarou-me escrever assim, por assim lhe haver aconselhado o professor. Disse-me textualmente:

–Meu professor me dizia que era necessário florear o estilo. 

Ao que retruquei ser mau conselho e consistir a virtude exatamente no oposto, em fugir, por todos os meios, o estilo floreado.

Essa mesma aluna, meses depois, fazia composições ótimas, algumas admiráveis de precisão, cor local e originalidade. Era um notável temperamento artístico, desaproveitado e transviado pelo mau gosto do professor.

Nas bancas examinadoras tenho lidado com sábios colegas, os quais louvam composições insulsas e palavrosas, e nenhum valor dão a algumas excelentes pela simplicidade, concisão e elegância.

Cumpre consignar, efetivamente, o pendor artístico dos rapazes e moças brasileiros. Com alguns preceitos simples e bons modelos podemos leva-los facilmente a escrever bem, suscitar mesmo, não raro, escritores, poetas e poetisas.

Certo disso, resolvi condensar, em regras práticas, muito simples, o essencial do que ensinam os mestres na matéria. Este Manual, fruto de laboriosa seleção, contém as normas fundamentais, apenas, para quem quer escrever satisfatoriamente, com elegância, simplicidade, clareza e vigor. Não visa, de modo algum, e insisto neste ponto, fabricar escritores. Ministra, tão somente, os princípios clássicos, segundo os quais, podem os mais destituídos de veia literária redigir a contento dos leitores. Entretanto, os mesmo gênios necessitam de iniciação. A arte de escrever, como todas as artes, é difícil e a de hoje é resultado de multisseculares aperfeiçoamentos conseguidos por grandes mestres, cujos processos a crítica esmiúça e apura. Supor que o talento natural, por si só, tudo adivinha, e descobre, de salto ou de oitiva, o que gerações de gênios pouco a pouco revelaram, é incorrer no lamentável erro de tantos músicos, pintores, escultores, perdidos para a arte por não quererem conquistá-la de mansinho, nem lhe aprender custosamente a técnica severa.

Para amenizar o texto ou confirmar-lhe a doutrina, valorizei o livro com passos de tratadistas, conselhos de mestres desparzidos sob a forma de leituras.

Aos professores novos advirto não se limitem ao indispensável deste Manual, mas versem as obras dos especialistas até se familiarizarem com todas as variedades de estilo e conseguirem discriminar o bom do mau. Demais, importa, ao corrigirem uma frase ou período, que expliquem ao aluno o motivo, o porquê da correção, dando-lhe a liberdade de aceitar, ou não, a emenda. Só assim lograrão formar-lhe o gosto, criar nele o sentimento de responsabilidade e o esforço de pesquisa, caminho de toda a arte.

Aos meus colegas, tarimbados no ofício, rogo o favor de me apontarem falhas, omissões, descuidos. De tudo me valerei para melhorar este Manual e torná-lo, se possível, guia seguro nas escolas.