quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Mais Pleșu no Brasil

FLORIN CIUBOTARU

Por Andrei Pleșu

Biografia

Nasceu em Focșani em 1939, Romênia. Estudou no Instituto de Arts Plastiques "Nicolae e Grigorescu", Bucareste, e pintura e marketing, em 1963.


Florin Ciubotaru pode passar sem vitórias, mas gosta muito de partir para batalhas. Ambicionar píncaros de glória é ser complacentemente burguês; para ele, o valor real está em participar do alvoroço prazeroso dos ataques, ou tramar alguma perigosa emboscada contra fortificações invencíveis. Consequentemente, suas exposições não são de maneira alguma conclusivas e finais, mas tentativas para deixar energias autossuficientes se desenvolverem através de um processo cuja etapa decisiva é difícil prever antecipadamente. Convoca agora um exército de obras para sitiar o cume da tradicionalmente chamada arte do retrato. Embora retratos apareçam copiosamente em todos os estilos, os “experts” geralmente concordam que a genuína arte do retratista apenas raramente prosperou, enquanto que em nossos dias tem sido evidentemente negligenciada. Logo de início, os retratos concentravam-se menos sobre os indivíduos e mais em certas categorias (Faraós do antigo Egito, por exemplo). Além disso, durante o século passado, transformou-se lentamente – em pretexto para aplicação formal. Tivemos períodos interessantes dessa arte. Refiro-me à idade áurea do Império Romano, à Renascença, o século XVII da pintura holandesa e flamenga e algumas décadas do século XIX. Entretanto, por mais auspiciosos que tenham sido esses períodos, a pintura de retratos viu ainda seu prestígio diminuído pelas funções mundanas, em que o pintor ilustrava vidas particulares ou satisfazia as vaidades de famílias abastadas.

Nos tempos modernos, grandes pintores reassumiram a prática dos retratos, revertendo aquela ênfase dada à necessidade de imitação em favor das exigências de interpretação, as quais reavaliaram o tratamento profissional do tema. Mario Prassions vê fisionomias em todos os lugares, “no bolor das paredes, no cascalho das alamedas, no contraste de tons das folhagens, nas lajes de mármore dos edifícios ...” Em outras palavras, o retrato transforma-se de imagem mimética em imagem analógica. Evidencia ainda algo parecido com um rosto, mas insinuando uma semelhança indefinida.

Os “retratos” de Florin Ciubotaru são esses rostos destituídos de qualquer semelhança. A abordagem que faz parece-me mais audaciosa e mais sutil, onde a semelhança não é perdida, mas virtual. Em seus trabalhos, as feições parecem contorcer-se para readquirirem a forma humana. Os artistas modernos dão a impressão de serem incapazes de notar as pessoas ao seu redor. Surpreendentemente, Ciubotaru nada vê, exceto seres humanos. Um Arcimboldo revivido, ele encontra novas maneiras de identificar todos os traços humanos possíveis em toda parte de nosso universo. Seus retratos preparam a futura ascensão da fisionomia humana sob a aparência de montanha, flor, rostos celulares, geológicos, galácticos, feições na forma de um jardim ou carta, figuras aquosas ou aéreas, algumas em erupção como um vulcão, outras com sulcos e saliências como um precipício, cabeças-paisagem com gigantescas órbitas como nos trabalhos de Koninck, rostos minerais e geométricos, natureza morta. A cabeça humana reduzida a eixos principais e seu contorno circular podem facilmente tornar-se a própria configuração do mundo e também o manual mais prático da arte de pintar. Tudo no mundo é um rosto, Ciubotaru parece dizer. De qualquer forma, tudo o que existe anseia por corporificação, da mesma maneira que o losango em algumas composições anseia pela redondez do círculo. Baseada numa simetria fundamental, a face legitimamente representa a máscara orgânica de um código inflexível, quase imperceptível. O homem é apenas a pulsação de uma partícula geométrica: um rigor em florescência, um delicado cristal colorido – o halo de uma lei.


 Na exposição de Florin Ciubotaru não percebemos nenhuma devoção “humanitária” inferior e nenhum antropomorfismo vulgar. Sua visão apela para as antigas fontes, onde o homem age como um espelho miniaturizado do mundo, ao passo que o mundo é apenas uma analogia ampliada do homem. De acordo com esta visão, o universo é um homem gigante, uma grande face (Arikh Anpin da Kabala) do homem terrestre. Cada anatomia é uma cosmologia e, reciprocamente, cada evento cósmico é fisiológico, isto é, pertence à história do homem. Intuitivamente sintonizado com esta tradição, não mais insiste na “expressividade”, “restauração do indivíduo”, “fidelidade” ao modelo ou símiles líricas. Porém, mais apropriadamente, recupera a humanidade do stratum primitivo da realidade, onde objeto e sujeito, e “espírito objetivo” ainda não foram divididos. Há humanidade mais além do homem, diz o artista.

Este amplo escopo foi indubitavelmente alcançado gradativamente. É hábito de Ciubotaru adotar para suas exposições uma disposição honesta e descontraída de todos os estágios, trabalhos terminados juntamente com esboços e modelos de pura premonição. O mesmo acontece aqui: os trabalhos mais recentes estão colocados ao lado das tentativas iniciais, esboços simples e um tanto quanto incertos, mais obviamente resultantes do retrato clássico. Se a exposição em sua totalidade é autêntica e atraente, deve-se isto também à oportunidade dada aos espectadores de compreender o longo caminho percorrido e a gradual depuração conseguida na busca. Mais interessante fica à medida que a mão do pintor aparece segura e ágil mesmo quando a ideia é ainda hesitante. Certamente, o artista é um profissional completo a julgar somente pela rica substância de cores parecendo fibras, pelas tensões das estruturas, campos alternadamente espessos e transparentes e os redemoinhos levemente assimétricos em torno da simetria usualmente bem estável de suas composições. Não estamos certos ainda quanto à escolha de qual fortaleza ele está assediando. Mas o ardor empregado, por si só, já é uma conquista compensadora.

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