terça-feira, 10 de junho de 2014

Sócrates e Jesus Cristo



Seria lógico que a morte do Sócrates-homem tivesse o sinete da desordem, do sangue, da traição e da raiva; mas não, foi o mais possível tranquila e digna. A de Cristo, ao contrário, tem – inteiramente – o sinete da tragédia, do desgosto e do horror. Sócrates morre calmo, cercado de discípulos fiéis e atentos, que lhe sorvem as palavras ao mesmo tempo em que ele – imperturbável e luminoso – sorve o veneno indolor oferecido com muita deferência pelo algoz. Abandonado e traído pelos seus, Cristo se retorce na cruz, angustiado pela sede e coberto de zombarias. Sócrates morre como um senhor. Cristo como um vadio, entre dois ladrões, num lugar descampado, periférico. Sócrates agradece aos deuses por escapar das vicissitudes do mundo material, Cristo exclama: “Por que me abandonaste?”.

A diferença é total entre as duas mortes, e exatamente a divina parece inferior, turva. A verdade é que, sem dúvida, é a mais humana; a de Sócrates, em toda a sua grandeza, parece – em contraste – literária, abstrata, submetida a uma direção teatral e, mais ainda, irrealista. Sócrates – com boa fé e vitorioso em boa parte – se eleva do estado de homem para o de deus; Cristo desce desimpedido pela imundície até as camadas mais baixas da condição humana.


Nicolae Steinhardt, O Diário da Felicidade. Trad. Elpídio Fonseca. São Paulo, É Realizações, 2009, p. 112.

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