domingo, 3 de agosto de 2014

Herta Müller fala sobre Eginald Schlattner


Herta Müller, escritora romena de língua alemã, ganhadora do prêmio Nobel de Literatura em 2009, concedeu uma entrevista à revista berlinense Literaturen, na qual fala sobre Eginald Schlattner, autor de Luvas Vermelhas, romance recém-publicado no Brasil pela editora É Realizações. A exemplo de Herta Müller, Schlattner também aborda a vida sob o regime comunista em sua literatura. Luvas Vermelhas é um romance autobiográfico no qual o autor descreve as torturas a que foi submetido bem como os recursos de que lançou mão para não sucumbir ao desespero. 

A editora Acantilado, responsável pela edição espanhola da obra, disponibilizou em seu blog o trecho da entrevista que é reproduzida a seguir, em tradução minha. Confiram.




Luvas Vermelhas, de Eginald Schlattner


Depois do fracasso da revolução húngara de 1956, começou também na Romênia a caça aos “contrarrevolucionários”. Entre os prisioneiros, encontra-se um jovem estudante e escritor, do qual se exige informações sobre amigos e colegas – e até mesmo sobre seu próprio irmão. O leitor assistirá atônito a uma duríssima sucessão de interrogatórios em que o prisioneiro acaba cedendo e cometendo a delação. Carente de algo que justifique sua traição, aparecem diante dele, em sua cela na Securitate, os demônios de tempos passados, todos eles entre o abismo cortante do perigo e a nostalgia angustiada do que se perdeu. Segunda parte de uma grande trilogia sobre uma família transilvana iniciada em O Galo Decapitado (1998) e concluída com O Piano na Neblina (2005), Schlattner revela-se a nós um atento questionador da difícil luta pela integridade humana, assim como um minucioso cronista de anos obscuros. 

Eginald Schlattner (Arad, 1933) cresceu em Fogarasch (Transilvânia) e estudou em Klausenburg – até sua expulsão da universidade – Teologia, Matemáticas e Hidrologia. Em 1957 foi preso e em 1959 julgado por deslealdade e alta traição. Depois de libertado, trabalhou como jornalista e, mais tarde, como engenheiro. Em 1973 retomou os estudos de Teologia. Atualmente é pároco prisional e vive em Hermannstadt. 


Entrevista com Herta Müller, Prêmio Nobel de Literatura de 2009


Oferecemos um excerto da entrevista publicada no número 6 da revista berlinense Literaturen (2001), na qual a escritora romena de língua alemã Herta Müller fala sobre o serviço secreto, a destruição da Romênia e a traição de seu melhor amigo. 

Literaturen: Em seu romance autobiográfico Luvas Vermelhas, Eginald Schlattner descreve um processo judicial romeno com fins propagandísticos no final da década de 1950. Por outro lado, teus livros retratam o regime opressor da Romênia nos anos sessenta e setenta. Há alguma diferença? 

Herta Müller: Foram tempos completamente diferentes. Ao contrário de Schlattner, nunca estive na prisão. O serviço secreto sempre me detinha para interrogar-me, num período que se estendeu de 10 a 15 anos, e sempre ameaçava prender-me e levar-me a juízo, mas nunca chegaram a fazê-lo. Os dias dos processos propagandísticos haviam terminado. Mas os métodos persecutórios permaneceram iguais, ainda que as consequências tivessem mudado. 

Literaturen: Qual é a sua opinião sobre o comportamento de Schlattner ou, para sermos mais precisos, sobre a delação de cinco companheiros que seu herói autobiográfico faz no romance, submetido à pressão dos interrogatórios? 

Herta Müller: Não existe uma norma quando se trata de confissões obtidas sob tortura. As lesões corporais são a chantagem máxima. A dor se apodera do corpo e este deixa de estar sob nosso controle. As declarações são válidas somente até certo ponto. Ademais, Schlattner não foi uma testemunha real, foi mais um coadjuvante. São necessários alguns arquétipos para a reconstrução de um julgamento desse tipo. Está o promotor, o advogado e o réu, bem como uma testemunha, que tem um papel secundário. Sabemos de antemão o resultado; é um julgamento já decidido. Em primeiro lugar, é o veredito que conduz o processo, não o contrário. O veredito aparece no princípio, não no final do julgamento. Schlattner tem carregado como ninguém este peso durante várias décadas. E só depois da derrota de Ceauşescu foi possível escrever estes livros. Antes teria sido demasiado perigoso.

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