terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sobre o ensino de literatura



Acho que todos se aproximam da literatura de acordo com seu interesse particular – o médico procura a doença, o ministro procura um sermão, o pobre procura dinheiro, e o rico procura justificação; se encontram o que desejam, ou pelo menos o que podem reconhecer, então julgam a obra de ficção de categoria superior.

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É próprio da ficção encarnar o mistério por meio dos costumes, e o mistério é um grande estorvo para a mentalidade moderna. Perto do fim do século, Henry James escreveu que a mulher jovem do futuro, embora pudesse ser levada para passear numa máquina voadora, nada saberia sobre mistério e costumes. James não tinha nenhuma razão para restringir a previsão a um dos sexos; por outro lado, ninguém pode discordar dele. O mistério de que ele falava é o mistério de nosso lugar na terra, e os costumes são aquelas convenções que, nas mãos do artista, revelam o mistério central.


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Não sei se considero os objetivos do professor de literatura elevados demais ou baixos demais quando sugiro que, ao menos em parte, sua missão é mudar a cara da lista dos mais vendidos.

Flannery O’Connor, “The Teaching of Literature”. In: Mystery and Manners (Eis aí a razão do título do livro)

Um comentário:

Fonseca disse...

Diga lá, camarada,

Falar em mentalidade moderna é algo espinhoso. Não há uma distância entre quem fala e o objeto: é como colocar a mão sobre os olhos e tentar descrevê-la. No entanto, se modernidade tem algum traço específico, este é a necessidade de certeza. O que não é verificável não existe, e é por isso que o mistério se despediu dessa ficção mais top-de-vendas. O autor fala o que há de pior em si mesmo porque de a dor é mais palpável que a alegria. E então aparece o Budapeste, de Chico Buarque, que é coisa para suicidas de mau-gosto, ou o aquele último tango do Bandeira, que é coisa para suicidas de bom-gosto.

Mas ainda é possível encontrar o bom mistério na ficção. Quando Natércia Campos, lá do Ceará, escreve sobre A Casa, há ali estórias cheias de um mistério domesticado, com os quais os personagens convivem como com um simpático velhinho amigo da família.

E quanto ao ensino da literatura, essa foi no cravo. É exatamente essa a missão: moldar um gosto que seja pessoal, e que a gente escolha os livros não só uma curiosidade de ler os mais vendidos.


Até mais,
Magno Fonseca
clovisque.blogspot.com