quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O colecionador de relíquias


Tão logo chegou à casa do professor, percorreu efusivamente com o olhar os quadros, o lustre, a lareira, os livros. Havia livros por toda parte.
— Aceita um café?
— Hmm, aceito.
Enquanto o professor se ausentou para preparar o café, o jovem assentou-se e se pôs a folhear uma pasta que estava sobre a mesa. Nela se encontravam postais com caracteres que ele ignorava, dedicatórias, declarações de amor, assinaturas que ele suspeitava serem autógrafos, mas tudo muito amarelado, velho, alguns até um tanto amassados ou sujos.
— Ah, você está vendo a minha pasta? Cuidado com isso, viu. São relíquias.
— Estava aqui intrigado tentando descobrir o que são essas coisas todas.
— Não sabe? Que te parece?
Hesitou e preferiu nada dizer:
— Não faço nem idéia.
— Cada livro tem sua própria história. Muitos são dados de presente; outros passam de geração em geração; outros ainda são trocados ou pertencem a bibliotecas. O que você tem aí são uns poucos vestígios das histórias dos meus livros. Muitos já circularam pelo mundo. Vê esses caracteres? É russo. Alguém muito desiludido com a vida detrás da cortina de ferro enviou esse postal para um amigo no ocidente. E chegou até mim dentro de um livro.
— E esse? O que é?
— Ignoro as personagens. Mas foi uma dedicatória escrita na folha de rosto da primeira edição de Dom Casmurro. Como pode ver, foi uma forma indireta usar o livro: o autor acusava a esposa de ser uma espécie de Bentinho. Achei que merecia ser guardada.
— Nossa, que legal!
— Vai folheando. Devagar! Pára aí. Esta foto é do Graciliano com o avô de um amigo. Só cheguei a descobrir quem era anos depois, por acaso, quando este amigo veio me visitar e comentou sobre o livro de estimação de seu avô. Dentro do livro, a foto.
— E como chegou até você?
— Comprei num sebo. Muito do que há nessa pasta veio com livros que comprei em sebos.
— E eu achava o máximo comprar livros na Livraria Cultura...
— Mas é. Todo livro tem uma história extra: dos sebos, já escritas; da Cultura, por escrever.

2 comentários:

Marie Tourvel disse...

Que delícia de texto, querido. ;)
Um grande beijo!

Osmar. disse...

Ah tá, então era isso!!!

Ainda bem que consegui entregar o seu tão adorado livro...

Um forte abraço.