sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O dia em que concordei com Marcos Bagno

Quem me conhece sabe o quanto pode ser espantosa essa afirmação. Não gosto de seu tom excessivamente panfletário, nem de sua demagogia, nem de sua esquerdice — coisas, aliás, afins nos tempos em que vivemos. Mas há algo mais espantoso: o que vai a seguir é um texto que foi publicado pela revista "Caros Amigos". Cheguei ao tal artigo mais ou menos por acaso. E se o reproduzo, é apenas para dizer que, sim, a análise que faz está correta. Eu mesmo, durante a graduação, cheguei a dar aulas de redação para uma turma chamada "Equalização". Era uma aula oferecida aos sábados, que pretendia justamente reagir a esse problema: futuros professores semiletrados (termo empregado como uma descrição literal, sem nenhuma conotoção pejorativa). Lembro-me de que essas aulas deveriam acontecer aos sábados pela manhã e de forma gratuita. Escrevi deveriam porque já na segunda aula, os dois alunos que compareceram se evadiram. Ou seja: uma iniciativa institucional para favorecer alunos necessitados não recebeu nenhum tipo de interesse por parte daqueles a quem pretendia beneficiar. E assim é a vida. Pode-se obrigar o jumento a ir até a fonte, mas não obrigá-lo a beber água...

Segue o texto:

A CATÁSTROFE DOS CURSOS DE LETRAS
Marcos Bagno - Novembro de 2008

A formação dos professores de português, hoje, no Brasil, é uma catástrofe. Nós, os responsáveis pelos cursos de Letras, não enxergamos a bomba-relógio que temos nas mãos. As estatísticas não mentem: a retumbante maioria dos estudantes de Letras vêm de camadas sociais pobres ou mesmo miseráveis, filhos de pais analfabetos ou que têm escolarização inferior a quatro anos. Isso significa muita coisa. Significa que esses estudantes têm um histórico de letramento muito reduzido: no ambiente familiar, não convivem com a cultura letrada, não têm acesso a livros, revistas, enciclopédias etc. Significa que não são falantes das normas urbanas de prestígio (as mesmas que supostamente terão de ensinar a seus futuros alunos) e têm domínio escasso da leitura e da escrita. Só na faculdade é que a maioria deles vai ler, pela primeira vez na vida, um romance inteiro ou um texto teórico. Vêm, quase todos, do ensino público, essa tragédia ecológica brasileira muito pior que as queimadas na Amazônia. Nós, porém, fingimos que eles são ótimos leitores e redatores, e despejamos sobre eles, logo no primeiro semestre, teorias sofisticadas, que exigem alto poder de abstração e familiaridade com a reflexão filosófica, e textos de literatura clássica, escritos numa língua que para eles é quase estrangeira. E assim vamos nos iludindo e iludindo os estudantes.

O resultado é que os estudantes de Letras saem diplomados sem saber lingüística, sem saber teoria e crítica literária e sem saber escrever um texto acadêmico com pé e cabeça. Todos os dias, recebo mensagens de formandos que me pedem orientação para seus trabalhos finais. Alguns até me enviam seus projetos. São textos repletos de erros primários de ortografia, pontuação, sintaxe, vocabulário, com frases truncadas e sem sentido. Assim eles chegam ao final do curso, e suas monografias, mal escritas, sem nenhum rigor teórico ou metodológico, são aprovadas alegre e irresponsavelmente por seus supostos orientadores.

O problema, é claro, não está no fato (que merece comemoração) de acolhermos na universidade alunos vindos das camadas mais desfavorecidas da população. O problema é não oferecermos a eles condições de, primeiro, se familiarizar com o mundo acadêmico, que lhes é totalmente estranho, por meio de cursos intensivos (e exclusivos) de leitura e produção de textos, de muita leitura e muita produção de textos, para só depois desses (no mínimo) dois anos de preparação eles poderem começar a adentrar o terreno das teorias, das reflexões filosóficas, da alta literatura. Se não fizermos isso urgentemente (anteontem!), as salas de aula do ensino básico estarão ocupadas por professores que, mal sabendo ler e escrever adequadamente, não poderão desempenhar sua principal tarefa: ensinar a ler e a escrever adequadamente! Não sei, aliás, por que escrevi "estarão ocupadas": elas já estão ocupadas, neste momento, por essas pessoas, de quem se cobra tanto e a quem não se oferece uma formação docente que também seja, minimamente, decente.

Um comentário:

Marie Tourvel disse...

Olá, William, querido. Voltei de minhas longas férias e não poderia deixar de atualizar minha leitura do "Esboços". Tô de volta. Aquele café ainda está de pé, tá?:)

Beijos!