quinta-feira, 22 de maio de 2008

Esboço de um ensaio: ainda os blogues

Esboços, rascunhos e ensaios é o nome deste espaço porque, creio, sintetiza o que pode ser encontrado por aqui. Meus leitores são minhas cobaias. Tudo o que faço aqui é exercício de redação. Pretendo escrever coisas um tanto mais sérias, sim. Por isso brinco com o nome. Ensaio aqui pode ser entendido como aquela preparação para uma apresentação qualquer, mas pode também ser entendido no sentido de texto dissertativo sobre assunto específico. Esse texto, por exemplo, pretendia ser um ensaio. Mas cansei no meio do caminho e saiu de forma incompleta. Não chegou a ser um ensaio; é só um esboço! Por isso, esboço de um ensaio. Eita quanta palavra pra não falar nada! Vamos ao que interessa.
Posts atrás, na tentativa de contribuir para o debate sobre blogues (e a partir de agora pretendo assumir de vez a grafia assim, com -gue!) proposto pelo Bruno Garschagen, mencionei o lingüista francês Dominique Maingueneau apenas de memória; não me estendi sobre o assunto para não falar bobagens. Hoje, no entanto, depois de revisitar o tal texto, creio que posso empregar alguns conceitos do lingüista para abordar o nosso objeto.
Lingüistas profissionais e acadêmicos em geral que me perdoem a falta de rigor, mas não pretendo expor aqui exaustivamente o que diz Maingueneau nem tampouco restringir-me a utilizar a Análise do Discurso de linha francesa como teoria para fundamentar o que tenho a dizer. Vai aqui, na verdade, um exercício de informalidade, um achismo que, por acidente de percurso, encontrou em seu caminho um texto esclarecedor. Feita essa ressalva, creio que posso usar o autor em questão sem medo.
No capítulo seis, Mídium e discurso, Maingueneau postula que a manifestação material dos discursos, o seu suporte, é uma dimensão essencial do discurso. Ele pretende mostrar, e acho que isso é quase evidente, que o "meio de transmissão" de um discurso não é meramente um meio, mas influencia diretamente a própria construção dos enunciados. Isso é simples de perceber e cito exemplo do próprio autor para ilustrar (há muitos outros possíveis, pensem por si mesmos e procurem outros):
Consideremos o caso de uma reunião eleitoral na frança do século XIX. Ela se realiza num salão de festas, na sala reservada de um café ou na praça de um vilarejo. Os participantes saíram de casa para ouvir o candidato com quem posuem algo em comum: ele é da mesma cidade ou da mesma região, ou então situa-se ideologicamente próximo deles. Esse candidato é, na realidade, um orador que deve falar em voz alta, pois não há microfone; em tais condições, não se cogita em sussurrar ou em desenvolver argumentos complicados: o importante é unificar imaginariamente um grupo reunido intencionalmente.
Algumas décadas mais tarde, um político que faz sua campanha pelo rádio poderá falar com voz suave, amigável, dirigir-se individualemente a cada ouvinte. O mídium radiofônico permite à fala introduzir-se na casa de qualquer pessoa, surpreendendo-a em sua intimidade familiar. O locutor não pode mais contar com a cumplicidade do auditório, visto que será ouvido por todos — amigos, inimigos ou indiferentes — e que seus ouvintes não precisam se deslocar para ouvi-lo. O público não é mais constituído por uma comunidade de ouvintes voluntários que se apresentam como um grupo frente a um orador, mas por ouvintes dispersos e sem rosto, em relação aos quais já não é uma fala de indivíduo a indivíduo. Mais tarde, o surgimento da televisão vai provocar uma nova transformação no exercício do discurso político, reduzir a importância da exposição de idéias, privilegiando os debates, onde importa, antes de tudo, conquistar a simpatia dos telespactadores. Não podemos dizer que, com esses diferentes mídiuns estamos lidando com o mesmo gênero de discurso: as modificações das condições materiais da comunicação política transformam radicalmente os conteúdos” e as maneiras de dizer, a própria natureza do que chamamos de “discurso político” e “política”.
E aqui chegamos ao ponto onde queria chegar. Não sei se na continuação de seus estudos Maigueneau chega a tratar especificamente sobre os blogues (consegui grafar! mas com esforço!), mas me parece o próximo passo de sua narrativa. Duas coisas importantes: os blogues são um novo suporte para os discursos, isto é, um novo mídium, e por conta de todos os recursos que este mídium possibilita, temos um novo gênero de discurso. Pensar em gênero do discurso é diferente de pensar em gêneros literários. Enquanto Olavo de Carvalho, em seu livro Os gêneros literários e seus fundamentos metafísicos, trata do fenômeno especificamente literário, Maingueneau pretende propor uma classificação que abarque todo e qualquer tipo de texto, ou melhor, de discurso, chegando ao extremo de considerar até mesmo uma conversa de elevador um gênero. O que constitui um gênero? Um conjunto de características comuns que os discursos individuais têm entre si. Assim, por exemplo, podemos marcar como características das conversas de elevador a sua brevidade, suas fórmulas de polidez, a relação fortuita entre os interlocutores, entre outras.
Mais adiante, ainda no capítulo 6, Maingueneau fala a respeito dos enunciados dependentes e independentes do ambiente, dos quais os dependentes se dirigem a um enunciador presente, que a qualquer momento pode intervir — o que justificaria, por exemplo, a presença de elipses de objetos que estão presentes no ambiente, de embreantes (chamados também dêiticos, aquelas palavras que remetem ao momento da enunciação: eu, aqui, agora...), de modalizações que comentam a própria fala para corrigi-la ou para antecipar-se às reações do co-enunciador, de fórmulas fáticas, de uma sintaxe menos elaborada, empregando mais a parataxe que a hipotaxe (nomes metidos a besta para o que aprendemos na escola com o nome de coordenação e subordinação) — e os independentes, que são aqueles que têm a necessidade de serem autosuficientes, que constroem um sistema de referências intratextual. Eles não se apóiam em um ambiente partilhado com o co-enunciador, que não pode interferir na enunciação.

(texto inacabado, interrompido por razões de força maior. A continuação vem já já, neste mesmo post).

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