quarta-feira, 21 de maio de 2008

Gestão do constrangimento


Todo mundo passa por constrangimentos. E o efeito mais patético do constrangimento é a tentativa de fingir não estar constrangido. Orwell escreveu que o maior inimigo do homem é o sistema nervoso. Isso porque é ele quem nos trai. Qualquer sentimento é prontamente denunciado por um gesto involuntário. E não há como controlar. Pense na vez em que você foi motivo de chacota e tentou mostrar que estava achando aquela situação muito divertida. Riu, forçosamente, de você mesmo. E todo mundo percebe que você está sem graça. Não há disfarce que funcione: a cara de pastel denuncia que você – apesar do falso riso – está incomodado com aquilo.

Fiz a divagação acima para contar uma situação que aconteceu comigo no último sábado. Foi na festinha de aniversário da filha de um primo meu. Quatro aninhos de idade, e toda uma vida para se constranger. Tudo corria bem: brigadeiro, bolo, crianças correndo, minha sobrinha (linda!) se esgoelando. Mas eis que surgem dois palhaços – falo do profissional, ok? - para “animar” a festa. Piadinhas infantis, historinhas que envolvem as crianças (e os adultos também), tudo o que se espera de um palhaço que labuta para ganhar o pão de cada dia.

Mas os palhaços são seres acima do bem e do mal. São revestidos de uma autoridade moral que poucos seres dispõe: eles podem tanto levar uma tortada na cara, quanto discorrer sobre a fugacidade da vida. Usufruindo dessa soberania, meus palhaços, ou melhor, os palhaços da festa, tiveram a brilhante idéia de constranger os presentes. E foram muito felizes na empreitada. Um apelido num fulano, uma gozação sobre a roupa do outro, um comentário sobre a altura de um dos convidados... tudo muito, muito divertido.

Mas o melhor estava por vir: os gênios tiveram a brilhante idéia de fazer um campeonato de dança. E quem eram os competidores? Ora, os seres do sexo masculino (categoria na qual eu me incluo) presentes no recinto. Um por um, carregados e enfileirados no “palco”, fingindo estar achando aquilo “o maior barato”. Vi um senhor sendo arrastado! “Não, eu não sei dançar”. Sem chance: a competição não admitia neutralidade. Ali, certamente, havia engenheiros, empresários, mecânicos, porteiros, jornalistas, o diabo. Todo mundo muito competente em seus respectivos ofícios, mas inábeis, absolutamente incapazes de administrar um constrangimento. E tem o paizão que não pode decepcionar a cria fazendo papel de chato.

Solta o som maestro! “YMCA”, do Village People - grupo que faz música de gay para hetero ouvir e soltar a franga -, era a trilha sonora. E quem foi o primeiro candidato? Eu mesmo, oras! Levantei os braços, mexi as pernas, uma rebolada e pronto: estava livre daquele calvário. Sempre com um sorriso forçado no rosto, claro. Depois de mim vieram outros, e os palhaços incrivelmente sempre tinham uma piadinha na ponta da língua. O campeão, por razões óbvias, foi o dono da festa.

Depois da derrota, sentado à mesa com uma coxinha na mão, refleti sobre nosso estado. O homem, em sua infinita sabedoria, conseguiu desenvolver técnicas de negociações, terapias, antidepressivos, chegou à Lua! Mas ainda carecemos da poção mágica para lidar de forma elegante com nossos constrangimentos. Sonho com um mundo em que as pessoas serão livres para enrubescer sem perder a ternura... jamais.

2 comentários:

Marie Tourvel disse...

Morro de medo de palhaços e parece que eles sabem disso. Cada vez que encontro com um até tento desviar o olhar, mas sempre cismam comigo, tentando fazer uma brincadeira idiota. Repito, morro de medo deles. Adorei o post, Elton. Um beijo

Osmar. disse...

Nossa!! Voltei ao tempo agora..."cara de pastel" me lembrei do Cambuci, mas vamos voltar ao setor gestão do constrangimento, cara isso q vc acabou de falar me caiu como uma luva, pois nesta semana aconteceu algo como as do palhaço da tal festa, naquela empresa meravilhosa na qual você também já fez parte do quadro de funcionários promoveu o evento Sipat, acho que você se lembra (semana interna de prevenção de acidentes de trabalho), então, só que lá os palhaço não estavam fantasiados, mas tinham o dom de constranger as pessoas antes de presentea-las com uma simbólica lembrancinha e o riso forçado e a verdadeira cara de pastel era a mesma que você descreveu neste relato, a unica diferença eram os personagem no qual aquele constrangido estava querendo agradar, na festinha de criança,eram, as crianças e os parentes, já na empresa ou no evento a hipocrisia da peãozada era pra agradar os chefes, que adoraram o espetaculo.

Mas a vida é um eterno teatro, na qual o seu personagem depende do ambiente que você ira enfrentar...

Um forte abraço e tudo de bom pra você